24 de jul. de 2016

Pela grandeza do ideal

Time feminino do Pelotas completa 20 anos de muita luta, conquistas e inclusão social.

Por: Vinícius Guerreiro
vinicius.guerreiro@diariopopular.com.br

Primeiro time das Lobas, em 1996 (Foto: Arquivo)
Marcos Planela
Vinte anos parecem pouco comparado aos 108 anos do Pelotas. Só que duas décadas lutando contra o preconceito, a falta de recursos, visibilidade e apoio, fazem as Lobas terem uma trajetória tão significante quanto a centenária história de conquistas do futebol masculino do clube. O departamento de futebol feminino é algo que todo o torcedor áureo-cerúleo tem que se orgulhar. Não apenas pelos mais de 50 troféus que estão expostos no Salão de Honra da Boca do Lobo ou pelas 20 atletas que foram convocadas para a Seleção Brasileira. Mas orgulharem-se pelas vitórias fora de campo. Nestes 20 anos as Lobas deram oportunidade e mudaram a vida de centena de mulheres. Ou melhor, seguem mudando.

Este é o exemplo de Stefany Krebs. A jovem de 18 anos, natural de Erechim, que sente-se em casa na Boca do Lobo. Stefany é deficiente auditiva, mas não tem problema nenhum de comunicação com as companheiras. As colegas de equipe fizeram questão de aprender libras, que Stefany mesmo ensina. A outra linguagem que ela utiliza é com os pés. O talento com a bola não deixa ruídos e nem dúvidas. Stefany foi eleita a melhor jogadora do Campeonato Mundial de Surdos de Futsal Feminino. Na competição, o Brasil ficou com o vice-campeonato em novembro do ano passado.

“Me sinto muito bem jogando futebol aqui. O esporte é algo importante para a minha vida. E é muito bom conhecer todo mundo das Lobas. Pensei que teria dificuldade de comunicação, mas não. Quando joguei o mundial foi um sonho”, contou Stefany que veste a camisa áureo-cerúlea desde março e viaja neste sábado para se apresentar à Seleção.

Beatriz e Stéfany são dois exemplos da importância das Lobas (Foto: Paulo Rossi)
Um feito invicto

Aos 27 anos Beatriz Borchardt Borges cresceu junto com as Lobas. Desde os 11 anos ela defendo o Pelotas. Beatriz foi a primeira jogadora, em 2005, a ser convocada para a Seleção Brasileira. Na época com 16 anos, a zagueira fez parte do grupo Sub-20 canarinho. As dificuldades financeiras da família e a falta de investimento no futebol feminino fizeram que ela desistisse um ano depois. Porém, a paixão pelo esporte falou mais alto e Beatriz resolveu voltar às Lobas. O esforço foi recompensado com a conquista mais importante da história do time feminino do Pelotas: a conquista do Gauchão de maneira invicta em 2008.

“Foi uma experiência única. O time sempre ficava no quase. E existia o preconceito e a dificuldades. Jogávamos dois jogos no mesmo dia, era muito cansativo e nosso time era muito jovem. As adversárias nos chamavam de bebês e crianças. Quando ganhamos, comemoramos com bicos”, relembrou a defensora com um sorriso no rosto.


Nas palavras de Beatriz, ao descrever seu sentimento pelas Lobas, é possível reconhecer o orgulho. A equipe que ela considera sua “segunda família” e que tem à frente o comando de Marcos Planela, seu “segundo pai”. A pelotense, que trabalha como auxiliar de escritório, está voltando ao time para a disputa das quartas de final do Gauchão que iniciam no primeiro final de semana de agosto. Ficou um tempo afastada. Mas o motivo não poderia ser mais especial: o nascimento da pequena Luiza de apenas cinco meses. “Vai ser uma Lobinha. Vou ter orgulho de contar para ela das Lobas, que joguei Copa do Brasil e servi a Seleção Gaúcha no Uruguai”, afirmou.

Comemoração

Neste domingo ocorre a celebração dos 20 anos das Lobas. Às 14h, no Salão de Honra da Boca do Lobo, ex-atletas da equipe receberão homenagens. Às 15h um jogo entre jogadoras que construíram a história ao longo das duas décadas disputarão um amistoso. Logo após, o atual time das Lobas irá enfrentar a comissão técnica.

A atual equipe do Esporte Clube Pelotas/Phoenix (Foto: Arquivo)

Os feitos das Lobas

Equipe feminina mais tempo em atividade no RS.
Campeão Gaúcho (invicto) - 2008
Campeão Gaúcho Sub-15 (invicto) - 2015
Campeão Gaúcho de Beach Soccer - 2004
Títulos: 50
Convocações para a Seleção Brasileira: 20

ANDRESSA



Bate-bola com Andressinha: ex-áureo-cerúlea, a atleta está se preparando com a Seleção Brasileira para disputar as Olimpíadas do Rio de Janeiro.

O que representa o Pelotas/Phoenix na tua vida?

O Pelotas foi o meu primeiro time. A primeira vez que eu tive a oportunidade de jogar uma competição oficial. O Marcos me deu essa oportunidade, me levou pra lá e me deu todo suporte. Com certeza eu tenho um carinho muito grande pela equipe e um carinho especial por todas as pessoas aí de Pelotas, que foi o início de tudo.

Tens algum jogo marcante com a camisa das Lobas?

Eu acabei ficando pouco tempo no Pelotas. No ano seguinte já me transferi pro Kindermann. Joguei poucos jogos, mas lembro de um no estadual. Foi marcante porque foi uma experiência muito boa pra mim. A primeira vez que eu joguei mesmo com o time em uma competição oficial.

Com essa experiência adquirida ao longo da carreira, qual a expectativa pra estrear em Jogos Olímpicos?

Tudo que a gente passa na vida é válido e essa minha passagem pelo Pelotas foi mais um passo que eu dei pra chegar até aqui. Agradeço muito a todas as pessoas de Pelotas. A expectativa pras Olimpíadas é a melhor possível. Vamos entrar na competição pra buscar a medalha de ouro. Um passo de cada vez, pensando um adversário de cada vez, mas no nosso país vamos ser muito mais fortes. Esperamos a torcida de todos e vamos lutar até o fim pra que essa medalha de ouro venha até nós!

Quem não foi, perdeu!

Daquele dia, lamento apenas não ter entendido antes o real significado da ocasião.

Era a final do Gauchão e, por óbvio, em campo estariam as duas melhores equipes do Estado. Mas, e daí? Ninguém liga para o futebol feminino...

Falso. Tomadas por grande ansiedade, aos poucos as meninas foram mostrando, através de seus comportamentos, a relevância daquele dia. Era mais do que um jogo. Mais do que uma final. Mais do que futebol. O peso daquele possível título, para o Pelotas, já havia sido escolhido pelas próprias atletas.

Determinadas, elas queriam apenas brincar de fazer história. Por isso os pandeiros no ônibus, o foco absoluto na preleção, a dramaticidade nos pênaltis e o choro de alegria no fim.

Único cinegrafista do jogo, um dos poucos espectadores no Estrelão, sorri de canto de boca lá da cabine assim que a vitória veio. Contente com o feito das gurias, me senti privilegiado. 
Talvez um dia mais pessoas aprendam que futebol também é feito por e para mulheres e, então, a relevância daquela ocasião crescerá. Talvez, sei lá...

(Renan Silva)

Nenhum comentário:

Postar um comentário